sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O caso do lago Nyos


O Lago Nyos é um lago formado no interior de um "maar" situado no noroeste de Camarões, (6.36 N; 10.15 E). O Lago Nyos é profundo e situa-se a média altitude no flanco do Monte Oku, um vulcão inativo pertencente à Linha vulcânica dos Camarões. Uma barragem natural, formada por rocha vulcânica, mantém o lago. A desgasificação dos materiais vulcânicos subjacentes faz com que as águas do lago sejam extremamente ricas em dióxido e monóxido de carbono, o qual, quando libertado subitamente para a atmosfera ...
pode causar a asfixia nas zonas vizinhas. Esse fenômeno ocorreu em 1986, causando mais de 1800 mortes. Para um lago vulcânico armazenar CO2 como o Nyos, deve haver pelo menos duas condições:
O lago deve ter pelo menos 50 metros de profundidade (porque a água que está nas profundezas do lago fica densa, impedindo o escapamento do CO2).
O clima predominante deve ser quente (equatorial).
Hoje em dia, para impedir que o CO2 se acumule novamente, as autoridades responsáveis pelo Nyos instalaram dispersores de CO2 pela superfície do lago, para que não ocorra uma tragédia como aquela que aconteceu em 1986).
Um filme de terror

Parece um filme de terror, mas é um fato.
No dia 21 de agosto de 1986, às 19h30, a comunidade que habitava a região próxima ao lago Nyos, no noroeste dos Camarões, África, teve seu sossego perturbado por uma série de ruídos estranhos. Aproximadamente no mesmo horário uma nuvem branca se formou sobre a superfície do lago, permanecendo ali. Pouco depois, e sem aviso, uma bolha gigantesca emergiu violentamente das profundezas do lago, lançando suas águas a mais de 50 metros de altura. Em questão de segundos toda a população das redondezas, em um raio de 25 km a partir do lago, estava inconsciente. Algum tempo depois, algumas pessoas ainda estavam inconscientes, mas outras 1700 pessoas, bem como a maioria do gado que era criado ali, morreram.
O Monstro do lago Nyos? Não. Uma substância química.
Esta tragédia misteriosa e sem precedentes se tornou alvo de intensas investigações científicas. Muitos detalhes relacionados ao acontecimento ainda não estão claros, mas se sabe que a morte daquelas pessoas está associada à liberação de mais de 240 000 toneladas de dióxido de carbono (gás carbônico, CO2) das águas do lago. O gás carbônico é mais denso que o ar, e ficou próximo ao solo, onde as pessoas respiravam. 
O cenário

O lago Nyos tem uma área superficial de 1,48 km2 e uma profundidade de 210 metros, em forma de cone com o fundo chato. Formas naturais de aeração permitem a entrada contínua de gás carbônico, que se dissolve na água. Toda a água do lago tem capacidade de manter dissolvido aproximadamente 1,5 km3 de CO2. Fazendo-se as contas com a taxa de aeração do lago e a capacidade, tem-se que em pouco mais de 20 anos, o lago estaria saturado, ou seja, todo o gás carbônico que se conseguiria dissolver no lago estaria lá, dissolvido na água.
As causas

As causas da liberação ainda não geraram unanimidade. Uma teoria muito aceita é uma chuva fria que havia caído por muitos dias no lago tivesse aumentado a densidade das águas superficiais, fazendo com que elas fossem para o fundo, deslocando as águas profundas para o único lugar aonde elas poderiam ir: para cima. Quanto mais para cima, dentro do lago, menor a coluna de água acima e, assim, menor a pressão. Quanto menor a pressão, menos gás é possível se dissolver em um líquido. Por isso que quando você abre uma garrafa de refrigerante, as bolhinhas se formam no líquido, sobem para superfície e saem dele. Por que você liberou a pressão que estava lá dentro, forçando o gás a ficar dissolvido no líquido.
À profundidade de 200 m, o máximo calculado que se consegue dissolver de CO2 na água é 0,620 mol/L. A concentração real que havia a essa profundidade era 0,475 mol/L, e 0,475 mol/L é a concentração de saturação à profundidade de 150 m. Ou seja, qualquer água que estivesse a 200 m, caso subisse para profundidades menores que 150 m, liberaria o CO2 em forma de gás. Por isso, acredita-se que o movimento da água fria descendo foi suficiente para deslocar a água mais profunda o pouco necessário para a liberação de uma quantidade enorme de gás. Afinal de contas, 50 m não é exatamente uma grande distância.
A química analítica do desastre

Você lembra das aulas de oxirredução? Pois bem, vamos fazer uma revisão super-hiper-ultra-mega-bombasticamente rápida! Na verdade, voltada ao que interessa aqui. O oxigênio é um agente oxidante[2], certo? Por isso que quando deixamos um prego exposto muito tempo ao ar, ele enferruja, porque o oxigênio do ar o oxida, formando óxido de ferro (ferrugem).
Muito bem. Na água de um lago, não temos só água e gases dissolvidos. Temos também diversas outras espécies, em diversos estados de oxidação. Uma dessas espécies é o ferro, presente muitas vezes como bicarbonatos e sulfitos de ferro. Os estados mais comuns do ferro são Fe(II) e Fe(III) (+2 e +3). O mais oxidado é o +3 (que perdeu 3 elétrons).
Agora vamos tratar do oxigênio dissolvido no lago. Quanto "mais rasa" a água, maior seu contato com a atmosfera e a probabilidade de oxigênio se dissolver nela. Assim, quanto menor a profundidade, mais oxigênio dissolvido na água.
Agora temos tudo para deduzir um fato interessante que ocorreu juntamente com o lançamento da bolha. Considerando que:
o ferro está presente na água nas suas duas formas mais comuns de oxidação, +2 e +3;
quanto mais profunda a água, menos oxigênio dissolvido, e
o oxigênio é um agente oxidante
O que esperamos com relação à formas do ferro presentes em certas profundidades? Esperamos que a forma mais oxidada do ferro, o Fe(III), esteja mais presente nas águas mais rasas (ambiente oxidante), e a mais reduzida, o Fe(II), mais presente nas águas profundas (ambiente redutor). Lembre-se que estamos falando de formas dissolvidas, ou seja, o ferro metálico (Fe0) não entra no jogo.
Então o que aconteceria com o ferro dissolvido em água mais profundas caso essa água de repente fosse para a superfície? Ele se oxidaria. E foi o que aconteceu. O ferro, presente como bicarbonato, reage com o oxigênio, se oxidando, e depois reage com a água, formando hidróxido de ferro (III) (Fe(OH)3), que é vermelho. E foi assim que o lago ficou (antes e depois na figura abaixo), com uma cor marrom-ferrugem.
Errar uma vez é humano...

Para evitar que isso volte a acontecer (afinal de contas, a aeração do lago nunca para) hoje se realiza um projeto de retirada do excesso de gases dissolvidos do lago Nyos. O projeto de chama Degassing Nyos (seria algo como "desgasificando" Nyos). O que se faz é puxar água do fundo do lago, através de um tubo, com uma pequena bomba. Se puxa a água até uma certa altura em que a pressão não seja mais suficiente para manter o CO2 dissolvido. Então, se formam bolhas, e as próprias bolhas continuam por arrastar a água para cima, sem necessidade da bomba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Postagens

acompanhe

Comentários

comente também

Copyright © 2013 - Meu mundo e assim |
Design by Betto wert | Tecnologia do Blogger
    Twitter Facebook Google + YouTube